O luxo começa antes do preço

 

Uma Filosofia Pessoal Sobre Valor e Exclusividade 

Antes de tudo, aviso: corro o risco de soar filosófica demais para um assunto que, à primeira vista, “não precisa” de filosofia. 

Mas ainda assim vou filosofar. 

Porque um único detalhe pode perturbar minha alma e, quando isso acontece, ela não descansa até conectar todos os pontos. 

E quando observamos moda apenas pelo prisma que nos vem do feed, não nos atentamos ao que realmente está em jogo.

O início do desconforto

Rolando o feed, recebi a análise de uma influenciadora: “luxo real” versus “luxo aparente”. Mas algo me incomodou mais do que a análise em si: a lógica por trás dela. 

Era a visão de alguém socialmente privilegiada, que pensa o luxo por três caminhos muito estreitos: preço, estética clássica e régua de classe social. 

Essa visão não está totalmente errada. Ela só está… incompleta. 

Porque o próprio discurso das grandes casas de moda é contraditório: falam de liberdade, conforto, prazer e autenticidade, mas a realidade do mercado funciona por exclusão, hierarquia e desejo construído. 

O luxo fala bonito, mas opera feio. E por isso mesmo precisa ser analisado além da superfície.

E é justamente nesse contraste, discurso x prática, que começamos a enxergar as contradições reais.

E é aqui que entram as frases famosas que repetimos sem pensar.

O que as frases famosas NÃO dizem

 Quando lemos: 

 “Luxo é conforto.” – Chanel; 

“Luxo é originalidade.” – Bonati; 

“Luxo é significado.” – Adele.

 Parece que luxo está acima da classe social. Mas não está. 

 A frase de Karl Lagerfeld (“praticidade de uma camiseta em um vestido caríssimo”), a de Armani (“ser lembrado”) e a de Adele (“muda conforme crescemos”) dizem discretamente outra coisa: luxo não é só estética, nem só preço, é posição social. 

A classe está sempre lá, mesmo silenciosa. E mesmo assim, esse ainda não é o quadro completo.

O luxo não se define apenas pelo que é, mas pelo que permite e nem sempre isso tem relação direta com dinheiro, mas com contexto, simbologia e posição. 

O luxo como vazio e por que isso importa

Quando procurei a definição de “luxo” no Aurélio, tudo girava em torno de ostentação, excessos, supérfluos, comodidades caras. 

Classe social novamente. Sempre ela.

Mas foi quando busquei Fausto que tudo se alinhou, porque Fausto tem tudo, e ainda assim tudo é insuficiente. 

Essa insuficiência é o próprio mecanismo do luxo: ele nunca se completa. 

Ele é vazio, para que caibam mais desejos. 

É justamente esse vazio que o torna caro, exclusivo, opulento. 

É ele que transforma o preço em símbolo e o supérfluo em valor. 

Então sim: pensar luxo só como herança, riqueza e estética clássica não está errado, está apenas l

Quem pensa a moda apenas pelo privilégio, não por cultura, vive com meia lente.

 O espaço define o valor (e é aqui que tudo vira)

Mulher com vestido estampado fazendo comparativo entre luxo e ambiente. A percepção de luxo se altera quando você transforma o contexto.

Vamos ao exemplo que ninguém usa porque parece “simples demais”: Um vestido de chita e um vestido estampado de loja do Iguatemi. 

Em ambos, se você sair na feira, a discussão será apenas sobre estampa, corte e modelo. 

O valor percebido some porque o contexto muda tudo. 

Antes do preço, o espaço determina o luxo. O mesmo tecido, no mesmo corpo, em outro espaço, não é a mesma coisa. 

E isso nos leva ao ponto que destrói a visão classista da influenciadora…

 Adam Sandler: o case definitivo do luxo como autonomia

Comparativo entre Adam Sandler e George Clooney. A mesma roupa, o mesmo cenário, pessoas com valor simbólico diferente. Nem sempre luxo é sobre poder aquisitivo, pessoas com os mesmos privilégios não possuem a mesma liberdade

Adam Sandler é o exemplo perfeito do que quase ninguém entende sobre luxo. Ele se veste como o José da esquina. 

Camiseta larga, bermuda, moletom. E por que isso também é luxo?  

Porque ele pode ir a qualquer lugar assim (exclusividade); ele pode fazer isso sem perder legitimidade (autoridade); ele é lembrado assim (posição simbólica); e o mais importante: ele é assim porque quer, não porque pode.  

Se todos podem, o que impede outras celebridades de desfilarem de bermuda no tapete vermelho do Oscar?  

Aqui está o ponto: o poder simbólico dele preenche o look "vazio" e não o contrário. 

Isso é luxo em estado bruto: ser você, mesmo quando todo o espaço diz para você ser outra coisa.  

É por isso que nem George Clooney tem essa liberdade estética.  

É por isso que quando Adam usa um terno de alfaiataria o mundo estranha, não porque ficou inadequado, mas porque ficou comum.  

O homem é tão esteticamente ele mesmo que até a elegância o apaga. Isso é exclusividade que não nasce do preço. Nasce da identidade. 

A conclusão que a influenciadora não alcançou 

Luxo não é: o preço da roupa, a estética clássica, a régua social. 

Luxo é: o espaço que você ocupa, a autonomia de existir, o vazio onde você coloca significado, a autenticidade que ninguém pode replicar, a coerência do seu próprio olhar. 

Ela não está errada, está enxergando pela janela da casa.  

Eu proponho enxergarmos pela própria rua. A rua sempre mostra mais do que a janela permite.

Veja mais da Souce. 

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